Mea Culpa
Lukas Weithas
Lukas Weithas residente na região dos Alpes Austríacos, interessa-se pelo estudo das tradições e herança cultural da sua região. Na sua prática artística explora materialmente as relações e interconexões que estas têm na cultura contemporânea e com os novos modos de consumo.
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Estamos a viver algo que se mostrava bastante previsível há quase duas décadas, a transformação das cidades, do seu tecido social e económico através do sector do turismo. Um sentimento de desaparecimento acompanhado por um estranho movimento de ocupação vai tomando conta de quem se poderia chamar de habitante local. Uma crescente caça imobiliária torna-se uma importante parte deste movimento degenerativo. Há perda de espaço nas cidades, os “locais” vêm-se obrigados a encontrar abrigo num movimento centrífugo aos centros urbanos. Primeiro nas periferias, depois nas zonas rurais.
Desprovidos dos meios para pertencer à grande economia do turismo global das cidades, poderíamos imaginar um regresso à “vida no campo”.
Mas não, esse é um ideal que já faz parte deste movimento contínuo dos corpos no espaço, desse novo tipo de nomadismo que surgiu com a massificação do turismo, o nomadismo digital, acompanhados pelos novos rurais.
Parece que falta uma ação mais primitiva, a caça!
Mas não, esqueçam. Portugal já é, dentro das plataformas de caça recreativa, “an insider tip” para a caça turística, tornando-se cada vez mais popular entre os seus aficionados.
Partindo desta “insider tip” Lukas Weithas cria, através do dispositivo escultórico apresentado nesta exposição, a possibilidade de o Homem, o maior predador, se tornar a caça.
No piso térreo, o Bruch (sistema de comunicação entre caçadores dos Alpes com utilização de galhos), transformado em joalharia, dá indicação da caça. Um presunto pendurado no tecto, com os instrumentos necessários para o público se deliciar, serve de isco para o espectador. Uma câmara de observação está apontada ao isco que capta todas as movimentações, acionada por sensores de movimento. A câmara, fechada a cadeado e identificada por uma rasurada identificação da marca de luxo Balenciaga, insere as captações de imagens na poderosa perspectiva observacional da marca, criando uma ligação ao hiper-consumo mediático. O acesso, unicamente do artista, aos dados recolhidos ilegalmente na captação dos visitantes da exposição, apresenta o ser humano como a matéria prima contemporânea de poder e lucro. Esta encenação insere o acto individual de prazer gastronómico, de forma consciente e inconsciente de participação, nos processos mundiais de captação de conteúdo e informação.
Na mezzanine, uma impressão de pintura em azulejo “Cão atacando um leão” - detalhe de um painel decorativo da sala de caça do antigo Palácio da Praia, em Belém - aqui recontextualizado, sincroniza historicamente as correntes dinâmicas de consumo de recursos.
Na cave, o frigorífico cheio de cerveja, com rótulo inspirado na edição especial “Mea Culpa” da Superbock, serve de paliativo. Elixir para o inebriamento colectivo, para a desmesurada e incessante procura da nova mina, bem como para o apaziguamento da culpa colectiva e individual de participação nos processos de transformação da cidade. Nesta terra, onde a culpa é cristã, que não beba a primeira cerveja quem: nunca alugou um quarto, a não residentes, a um preço mais caro; nunca foi à caça dos novos tascos e tacos, arepas e bowls, ou dos very typical; nunca comprou roupas dos nossos pais e avós em segunda mão, que depois de viajaram até ao sudeste asiático voltaram com preços de roupa nova; nunca foi beber Mulas de Moscovo ou água de grão torrado em el culo; nunca falou com orgulho da sua terra e tradições a um voyeurjante, nunca mostrou os espaços frequentados por locais ao inimigo.
Ufahh!!! Já fumava um cigarro…
Lukas Weithas residente na região dos Alpes Austríacos, interessa-se pelo estudo das tradições e herança cultural da sua região, explorando e reflectindo materialmente as relações e interconexões que estas têm na cultura contemporânea e com os novos modos de consumo.
Nesta instalação apresentada na Rua do Sol, a questão da caça, que na região de Weithas tem uma importância e presença que não é puramente recreacional e turística, é vista aqui aos olhos de quem visita uma cidade, um país, transformado por um movimento turístico predatório.
Texto de José Oliveira e Lukas Weithas
eng
We have been experiencing something entirely predictable for almost two decades: the transformation of cities and their social and economic fabric through the tourism sector. A feeling of disappearance accompanied by a strange occupation movement is taking over those who could be called local inhabitants. A growing real estate hunt becomes part of this degenerative movement. Cities lose space, and “locals” are forced to find shelter in a centrifugal movement towards urban centres. First in the outskirts, then in rural areas.
Lacking the means to belong to the tremendous global tourism economy of cities, we could imagine a return to “country life”.
But no, this is an ideal already part of this continuous movement of bodies in space, this new type of nomadism that emerged with the massification of tourism, digital nomadism accompanied by the new rural ones.
It seems that a more primitive action is missing: hunting!
But no, forget it. Portugal is already, within recreational hunting platforms, “an insider tip” for tourist hunting, becoming increasingly popular among its enthusiasts.
Starting from this “insider tip”, Lukas Weithas creates the possibility of Man, the greatest predator, becoming the hunted through the sculptural device presented in this exhibition.
On the ground floor, the Bruch (communication system between hunters in the Alps using branches), transformed into jewellery, indicates the hunt. A ham hanging from the ceiling, with the necessary instruments for the public to enjoy, becomes the bait for the spectator. An observation camera is aimed at the bait and captures all movements, activated by motion sensors. The camera, closed with a padlock and identified by a crossed-out identification of the luxury brand Balenciaga, inserts the image captured into the brand's powerful observational perspective, creating a connection to media hyper-consumption. Access, solely by the artist, to data collected illegally when capturing visitors to the exhibition presents the human being as the contemporary raw material of power and profit. This powerless staging of an individual act of gastronomic pleasure is a conscious and unconscious form of participation in the global content and information capture processes.
On the mezzanine, a print of the tile painting “Dog attacking a lion” - detail of a decorative panel from the hunting room of the former Palácio da Praia, in Belém - recontextualized here, historically synchronizes the dynamic currents of resource consumption.
In the basement, the fridge full of beer, with a label inspired by Superbock's “Mea Culpa” special edition, serves as a palliative. It's the Elixir for collective intoxication, for the excessive and constant search for the new mine, as well as for appeasing the collective and individual guilt of participating in the city's transformation processes. In this land, where the blame is Christian, please don’t drink the first beer, whoever: has never rented a room to non-residents at a higher price; never went on the hunt for new tascos and tacos, arepas and bowls, or very typical ones; never bought clothes from our parents and grandparents in second hand, that travelled to Southeast Asia and came back with new clothing’s prices; never went to drink Moscow Mules or water from roasted been in el culo; never spoke with pride about his land and traditions to a voyeurger; never showed the spaces frequented by locals to the enemy.
Ufahh!!! I would smoke a cigarette…
Lukas Weithas, a resident of the Austrian Alps region, is interested in studying his region's traditions and cultural heritage, exploring and materially reflecting the relationships and interconnections they have in contemporary culture and new modes of consumption.
In this installation presented on Rua do Sol, the issue of hunting, which in the Weithas region has importance and presence that is not purely recreational and touristic, is seen here in the eyes of those who visit a city and a country, transformed by a predatory touristic process.
Text by José Oliveira e Lukas Weithas
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