Peguei Fogo ao Céu
Teresa Arega
Uma carta de amor é escrita a uma
velocidade diferente daquela de todos
os dias, a velocidade permeável ao que
quero sentir, que normalmente me foge
das mãos
v = Δs/Δt
Mas eu ando muito rápido, eu corro mais
rápido, eu penso tão rápido e como tão
rápido, que não é por pressa, nem é
por ter onde ir, nem é porque tenho de
acordar cedo, nem é porque amanhã
faço anos, mas eu sinto tão rápido, eu
amo tão rápido: é porque eu quero tudo
ao mesmo tempo, nas quantidades todas
que nem me cabem nas mãos e nem me
cabem na cabeça e no coração, porque
é tão forte e tão grande.
Mas é assim que eu quero, mesmo que
não consiga dormir e que acabe às
voltas à procura de coisas para pensar.
São três e vinte e quatro da manhã
e estou a ler, num ecrã demasiado
brilhante, que — supostamente — há
mais árvores no planeta terra do que
estrelas na nossa galáxia.
+ 3T > 100-400B
De repente, o meu quarto é um gabinete
ao contrário onde alguma coisa explodiu
e eu não sei se olho para dentro, se olho
para o céu ou se olho para ti. Na falta
que me fazes, só sei habitar o mundo de
apontamentos que se tornam desenhos
que se tornam pintura que se tornam
desenhos de novo para se tornarem a
pele clara das minhas dúvidas.
Mas eu nem sei por onde começar, por
isso começo pelo fim, pelo chão que é
teto. Eu começo por onde a gravidade
é mais forte, pelo que envelhece mais
rápido, para onde olho todos os dias
porque tenho de ver por onde ando e
o que piso, e porque tenho demasiado
medo para encarar aquela pessoa que
ali vem. Começo por virar os pólos, para
toda a gente notar que o que me importa
é o céu e que há coisas que caem pelo
caminho e outras que nunca fizeram
sentido.
Mas eu nem sei se assim resulta: é que
sinto que poucas pessoas olham para
céu como eu. O meu céu vem dos azuis
saturados dos cromos de infância, vem
da ciência que vê as camadas todas de
vapor de água por onde passa o meu
foguetão sem chegar a lado nenhum;
vem como guia tátil onde queria ler o
meu destino, vem de um sítio onde ainda
acredito que vou encontrar dinossauros.
Mas agora já nem os devotos olham
o céu, já nem as bruxas olham o céu,
já nem os loucos olham o céu, da
mesma maneira. Sabemos do saturno
retrógrado, porque alguém nos disse,
porque alguém lhe leu, porque alguém
tem a app, porque alguém até percebe.
baixar ↑
Fiquei aqui a viver nos últimos dias e não
sei se gosto disto tudo, mas gosto das
novas cores e das antigas e gosto de
como tudo me sai realmente de dentro.
Gosto que a minha honestidade seja a
mesma contigo, com a minha mãe e com
o meu trabalho. Só que quero mesmo
virar tudo ao contrário, para saber o que
sentes quando não tens bem a certeza.
Na falta que me fazes, só sei habitar o
mundo de novas imagens, porque eu sei
que ainda não há suficientes. Eu sei que
sou
demasiado, que ando demasiado,
que corro demasiado, que penso
demasiado, que como demasiado.
Nem é porque me falta alguma coisa ou
porque me esqueci ou porque não há
luz. É que está demasiado calor, porque
ontem peguei fogo ao céu na ânsia de
riscar coisas da minha lista imaginária.
Não foi por falta de instruções. Foi pela
cor do teu cabelo.
Carolina Grilo Santos
Uma carta de amor é escrita a uma
velocidade diferente daquela de todos
os dias, a velocidade permeável ao que
quero sentir, que normalmente me foge
das mãos
v = Δs/Δt
Mas eu ando muito rápido, eu corro mais rápido, eu penso tão rápido e como tão rápido, que não é por pressa, nem é por ter onde ir, nem é porque tenho de acordar cedo, nem é porque amanhã faço anos, mas eu sinto tão rápido, eu amo tão rápido: é porque eu quero tudo ao mesmo tempo, nas quantidades todas que nem me cabem nas mãos e nem me cabem na cabeça e no coração, porque é tão forte e tão grande. Mas é assim que eu quero, mesmo que não consiga dormir e que acabe às voltas à procura de coisas para pensar. São três e vinte e quatro da manhã e estou a ler, num ecrã demasiado brilhante, que — supostamente — há mais árvores no planeta terra do que estrelas na nossa galáxia.
+ 3T > 100-400B
De repente, o meu quarto é um gabinete ao contrário onde alguma coisa explodiu
e eu não sei se olho para dentro, se olho para o céu ou se olho para ti. Na falta que me fazes, só sei habitar o mundo de apontamentos que se tornam desenhos que se tornam pintura que se tornam desenhos de novo para se tornarem a pele clara das minhas dúvidas. Mas eu nem sei por onde começar, por isso começo pelo fim, pelo chão que é teto. Eu começo por onde a gravidade é mais forte, pelo que envelhece mais rápido, para onde olho todos os dias porque tenho de ver por onde ando e o que piso, e porque tenho demasiado medo para encarar aquela pessoa que ali vem. Começo por virar os pólos, para toda a gente notar que o que me importa é o céu e que há coisas que caem pelo caminho e outras que nunca fizeram sentido.
Mas eu nem sei se assim resulta: é que sinto que poucas pessoas olham para céu como eu. O meu céu vem dos azuis saturados dos cromos de infância, vem da ciência que vê as camadas todas de vapor de água por onde passa o meu foguetão sem chegar a lado nenhum; vem como guia tátil onde queria ler o meu destino, vem de um sítio onde ainda acredito que vou encontrar dinossauros. Mas agora já nem os devotos olham o céu, já nem as bruxas olham o céu, já nem os loucos olham o céu, da mesma maneira. Sabemos do saturno retrógrado, porque alguém nos disse, porque alguém lhe leu, porque alguém tem a app, porque alguém até percebe.
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Fiquei aqui a viver nos últimos dias e não sei se gosto disto tudo, mas gosto das novas cores e das antigas e gosto de como tudo me sai realmente de dentro. Gosto que a minha honestidade seja a mesma contigo, com a minha mãe e com o meu trabalho. Só que quero mesmo virar tudo ao contrário, para saber o que sentes quando não tens bem a certeza. Na falta que me fazes, só sei habitar o mundo de novas imagens, porque eu sei que ainda não há suficientes. Eu sei que sou demasiado, que ando demasiado, que corro demasiado, que penso demasiado, que como demasiado. Nem é porque me falta alguma coisa ou porque me esqueci ou porque não há luz. É que está demasiado calor, porque ontem peguei fogo ao céu na ânsia de riscar coisas da minha lista imaginária.
Não foi por falta de instruções. Foi pela cor do teu cabelo.
Carolina Grilo Santos
v = Δs/Δt
Mas eu ando muito rápido, eu corro mais rápido, eu penso tão rápido e como tão rápido, que não é por pressa, nem é por ter onde ir, nem é porque tenho de acordar cedo, nem é porque amanhã faço anos, mas eu sinto tão rápido, eu amo tão rápido: é porque eu quero tudo ao mesmo tempo, nas quantidades todas que nem me cabem nas mãos e nem me cabem na cabeça e no coração, porque é tão forte e tão grande. Mas é assim que eu quero, mesmo que não consiga dormir e que acabe às voltas à procura de coisas para pensar. São três e vinte e quatro da manhã e estou a ler, num ecrã demasiado brilhante, que — supostamente — há mais árvores no planeta terra do que estrelas na nossa galáxia.
+ 3T > 100-400B
De repente, o meu quarto é um gabinete ao contrário onde alguma coisa explodiu
e eu não sei se olho para dentro, se olho para o céu ou se olho para ti. Na falta que me fazes, só sei habitar o mundo de apontamentos que se tornam desenhos que se tornam pintura que se tornam desenhos de novo para se tornarem a pele clara das minhas dúvidas. Mas eu nem sei por onde começar, por isso começo pelo fim, pelo chão que é teto. Eu começo por onde a gravidade é mais forte, pelo que envelhece mais rápido, para onde olho todos os dias porque tenho de ver por onde ando e o que piso, e porque tenho demasiado medo para encarar aquela pessoa que ali vem. Começo por virar os pólos, para toda a gente notar que o que me importa é o céu e que há coisas que caem pelo caminho e outras que nunca fizeram sentido.
Mas eu nem sei se assim resulta: é que sinto que poucas pessoas olham para céu como eu. O meu céu vem dos azuis saturados dos cromos de infância, vem da ciência que vê as camadas todas de vapor de água por onde passa o meu foguetão sem chegar a lado nenhum; vem como guia tátil onde queria ler o meu destino, vem de um sítio onde ainda acredito que vou encontrar dinossauros. Mas agora já nem os devotos olham o céu, já nem as bruxas olham o céu, já nem os loucos olham o céu, da mesma maneira. Sabemos do saturno retrógrado, porque alguém nos disse, porque alguém lhe leu, porque alguém tem a app, porque alguém até percebe.
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Fiquei aqui a viver nos últimos dias e não sei se gosto disto tudo, mas gosto das novas cores e das antigas e gosto de como tudo me sai realmente de dentro. Gosto que a minha honestidade seja a mesma contigo, com a minha mãe e com o meu trabalho. Só que quero mesmo virar tudo ao contrário, para saber o que sentes quando não tens bem a certeza. Na falta que me fazes, só sei habitar o mundo de novas imagens, porque eu sei que ainda não há suficientes. Eu sei que sou demasiado, que ando demasiado, que corro demasiado, que penso demasiado, que como demasiado. Nem é porque me falta alguma coisa ou porque me esqueci ou porque não há luz. É que está demasiado calor, porque ontem peguei fogo ao céu na ânsia de riscar coisas da minha lista imaginária.
Não foi por falta de instruções. Foi pela cor do teu cabelo.
Carolina Grilo Santos